A Agência Nacional de Vigiância Sanitária (Anvisa) Decidiu liberar o chamado “teste rápido” para detectar anticorpos contra o novo coronavírus (Sars-CoV-2) nas farmácias. A nota técnicas emitidas pela agência determinaram que os resultados dos testes realizados nessas agências devem ser “registrados e rastreáveis” e os resultados devem ser relatados à autoridade competente. Mas quais são exatamente os resultados desses testes?
Poucas anotações da Anvisa sobre distribuição alertaram para as limitações do programa. O texto diz: “O diagnóstico de Covid-19 não deve ser feito por uma avaliação separada dos resultados dos testes rápidos. No estágio inicial da infecção, devido à falta ou baixo conteúdo de anticorpos e antígeno Sars-CoV-2 na amostra, ele aparecerá Falso negativo O resultado de um teste positivo indica a presença de anticorpos contra o Sars-CoV-2, o que significa que ele foi exposto ao vírus, e é impossível determinar se houve uma infecção ativa no momento do teste apenas pelos resultados do teste.
Na opinião pública, existe muita confusão entre o “teste rápido” que permite à Coréia do Sul rastrear e controlar com eficiência a epidemia e o “teste rápido” disponível no Brasil. O fato é que essas são tecnologias muito diferentes, com diferentes propósitos e efeitos. Deixe-nos saber.
Testes rápidos com RNA ou anticorpos
Para o Covid-19, existem dois tipos de testes chamados testes “rápidos”. O teste molecular rápido é um método de teste rápido usado na Coréia e é considerado o padrão-ouro RT-PCR para a detecção de material genético viral (RNA). O teste feito da maneira usual leva várias horas. A versão rápida vendida por empresas como Abbot nos EUA ou Seegene na Coréia do Sul pode reduzir esse tempo.
Os testes lentos e rápidos são precisos: são retirados do nariz e / ou da garganta do paciente e coletados através de um “pântano” (um cotonete de haste longa que requer inserção na garganta). Para realizar essa coleta, são necessários treinamento especializado e equipamento de proteção individual (EPI). Requer laboratórios adequados e profissionais treinados.
Nenhum dos testes é perfeito, e fatores que podem produzir falsos negativos (ou seja, testes que não conseguem detectar o RNA) podem interferir na coleta, incluindo erros na coleta – é difícil usar cotonetes de algodão e o procedimento é muito desconfortável para os pacientes – e Embalagem de amostra inadequada. Agora, o RNA é uma molécula facilmente degradável.
Como os países podem usar esse teste com sucesso para superar esses problemas? Eles testaram o mesmo paciente várias vezes. Eles usaram os resultados para isolar os pacientes e rastrear e testar suas informações de contato, gerando uma imagem do progresso da pandemia.
Este aí, o RT-PCR, é o “teste rápido” que não temos no Brasil. Por aqui, temos só a versão clássica desse exame, que é lenta, feita exclusivamente em laboratórios e em hospitais capacitados.
O outro “teste rápido”, que é o que a Anvisa autorizou nas farmácias, é o sorológico, que mede anticorpos contra a Covid-19. Detecta dois tipos de anticorpos, o IgM, que começa a ser produzido aproximadamente 12 dias após a infecção, e o IgG, que passa a ser produzido depois de aproximadamente três semanas, e perdura no organismo, conferindo o que chamamos de memória imunológica. Após algumas semanas, o IgM diminui, e com o tempo sobra só o IgG.
Esse teste não detecta a presença do vírus, ele só pode dizer se a pessoa já teve contato com o vírus e desenvolveu anticorpos em número detectável. Por ser mais barato e fácil de usar à primeira vista, parece muito atraente. Mas é preciso esclarecer qual sua real utilidade. O teste rápido pode ajudar a mapear quem já teve a doença. Mas não serve para fazer diagnóstico preciso, nem para liberar pessoas da quarentena.
As limitações do teste rápido sorológico
Como mede anticorpos, ele só vai funcionar depois de 10-12 dias da infecção. Assim, perde a janela inicial, onde pacientes assintomáticos ou com sintomas leves estão transmitindo o vírus.
A sensibilidade (capacidade do teste de evitar falsos negativos) e a especificidade (capacidade de evitar falsos positivos) desses testes variam muito. Existem diversas marcas no mercado, e, como não há regulamentação e validação adequadas, não temos como garantir a qualidade do teste. Reino Unido e Espanha compraram lotes de testes da China que não funcionavam como prometido.
O transporte dos kits de teste sem o acondicionamento adequado pode degradar reagentes, e até temperatura e umidade do ar podem fazer diferença.
Finalmente, a interpretação dos resultados requer cuidado. Um resultado negativo pode indicar que a pessoa nunca teve contato com o vírus, ou pode ser erro do teste (falso negativo). Um resultado positivo para IgM pode acontecer quando a pessoa ainda está com o vírus, ou algumas semanas depois do fim da doença. Um resultado positivo para IgG sugere que a pessoa teve o vírus e se recuperou, mas não garante imunidade.
Sabendo de tudo isso, para que servem e para que não servem os testes rápidos disponíveis no Brasil?
Diagnóstico precoce: não servem. A janela de produção de IgM varia muito e a quantidade produzida também. Mais: a sensibilidade e especificidade podem gerar falsos negativos e falsos positivos. Além disso, a sensibilidade aumenta com o tempo. Em uma população de 10 mil pessoas, por exemplo, o teste rápido mais bem avaliado do mercado, com sensibilidade de 85% e especificidade de 99%, se usado após três semanas da infecção, pode gerar 1 500 falsos negativos e 100 falsos positivos. Os falsos negativos, se mal interpretados, podem dar uma falsa sensação de segurança para a pessoa, que se não for bem orientada, pode relaxar medidas de segurança e de isolamento.
Auxiliar no diagnóstico hospitalar: podem ser úteis. Considerando que muitos hospitais não dispõem de RT-PCR, e que a pessoa internada apresenta sintomas, diagnóstico clínico, e provavelmente, alta taxa de anticorpos, o teste rápido poderia ser utilizado para confirmar o diagnóstico. Neste caso, a informação é necessária para gerar dados sobre a real taxa de internação e mortalidade.
Liberar individualmente pessoas da quarentena: perigosos. Nesse caso, os falsos positivos podem sentir-se seguros quando, na verdade, nem têm anticorpos. E mesmo no caso dos que realmente são positivos, ainda não sabemos o suficiente para tomar a decisão. Ainda precisamos compreender se esses anticorpos realmente atacam o vírus com sucesso, e se a imunidade é duradoura.
Medir imunidade de rebanho: pode ser úteis, mas não agora. Enquanto a curva da doença está em sua fase exponencial, pouca gente tem anticorpos e o teste vai gerar uma resposta imperfeita. Quem quiser um exemplo numérico bem dramático do tipo de distorção que os falsos positivos ou negativos podem causar deve visitar o blog do médico Ricardo Schnekenberg. Além disso: como os testes de farmácia serão pagos, com custo médio estimado em 200 reais, esta parcela específica não será representativa da população.
A intenção aparente do governo federal, de apostar nesta ferramenta para embasar “cientificamente” o relaxamento da quarentena, é preocupante. Instrumentos científicos só são bons guias de políticas públicas quando reconhecemos e respeitamos suas limitações.
*Natalia Pasternak é pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, presidente do Instituto Questão de Ciência e coautora do livro “Ciência no Cotidiano” (Editora Contexto). Este conteúdo foi publicado originalmente na Revista Questão de Ciência.